A correspondência Perdida no tempo
Iluminam o meu espaço escuro enquanto te escrevo sem saber bem porquê, se faz anos que não te vejo e já não sei quem tu és, que fazes tu, como sobrevives...se pensas que eu respiro ou não, dificilmente ou desafogado, absorvo toda a atmosfera que me rodeia e dinamizo, transformo, reciclo as partículas todas do meu pequeno universo.
Anos que passaram e eu vim dar aqui, não sei bem onde isto é, um qualquer lugar perdido onde o maldito vento que sopra, me murmura ao ouvido que eu devia ter ficado, onde os passos que dou me mostram que o chão é irregular...tão diferente do frio do teu quarto, porque me vim eu embora? Pergunto a mim mesmo se terei fugido porque queria apenas pensar durante um dia e esse dia passou a ser um ano, quando dei pelo passar rápido dos dias, visto que me esqueci de ti num qualquer lugar, à minha espera como em qualquer outro dia, naquele mesmo lugar, na mesma cadeira, com uma garrafa de água para te fazer companhia...enquanto eu não vinha.
Arrependo-me de ter saído sem ter dito pelo menos um último adeus, sem ter levado para a distância que irrefutavelmente me faz esquecer a tua pessoa, em fragmentos, sem ter levado o sabor de um beijo, o toque suave de um dedo nos meus cabelos ou a força do teu braço que eu sem saber, tanto queria que me agarrasse a pedir que não fosse embora, que ficasse ali só mais um segundo e então esse instante se transformasse na eternidade, na dissolução perfeita dos segundos em horas...e das mesmas em dias...que esses seriam milímetros se o tempo fosse medido em metros, se a eternidade fosse uma viagem interminável.
Porque te deixei à espera quando tu sabias tudo o que eu era, tu me permitias tão bem que fosse quem eu sou, sem exclusões, fronteiras ou limites para a minha estupidez, para transformar o mundo cinzento num colorido impossível de obter nas misturas mais estranhas de uma palete de cores...abandonei a vida que tinha, mas porquê? Se agora quando escrevo e sinto o frio a percorrer a minha pele como se fosse a única companhia que tenho, quando me encosto para adormecer e sinto a constância das pedras, tento só imaginar que é mesmo qualquer parte do teu corpo, para poder cair no meu sono de forma mais doce...para que cada vez que adormeço, julgo que vou morrer ali, desejo que isso aconteça ali, sem grandes questões a pôr ou respostas a dar...eu sonho e desejo morrer no teu colo, só isso.
Agora que o tempo passou por mim como as ondas passam milhares de vezes pela areia molhada, a levam e a trazem, fazem dela sempre parecida mas nunca igual, eu sou talvez e apenas a imagem transformada e parecida do que costumava ser, tive de fugir e permiti-me a mim mesmo essa sentença, fugir para me compreender no mundo e perder-te para sempre, naquela mesa de café onde tu ficaste a ver a chuva cair, pensando talvez em mim e como nunca mais chegava, como iria ser nessa tarde se eu tivesse aparecido e te tivesse pedido para casar comigo? Se em vez de fugir, eu me prendesse a ti de forma eterna...se à chuva tivesse feito o pedido e ali marcasse o destino.
Escolhi talvez a forma mais fácil de encarar o destino, fugir...sem qualquer noção de como ia ser o futuro, sem nunca pensar que um dia, hoje ou amanhã, quem sabe mesmo...depois... eu ia estar a questionar onde é que tu estás agora, como te vestes, como está o teu cabelo e quem és tu, sem mim e sem nada do que eu tão pouco oferecia?
Por não saber, tive de o escrever, de perguntar á eternidade como era a tua vida, de deitar esta carta num qualquer sítio, esperando que o vento a leve até à tua porta...pois nada mais que o destino me pode salvar. Nem eu saberei nunca sair daqui, só lamento o dia em que, em busca de mim mesmo...me encontrei no escuro e no escuro, às cegas...te perdi sem nunca mais te ver.
Bom dia Amor…
Estou a escrever esta carta numa manhã radiosa sentada numa esplanada à beira-mar. Acho que não há melhor hora do dia para o fazer, nem melhor maneira de iniciar estas palavras, uma vez que tu sempre foste o início da minha vida e o início dos meus dias… Naquela noite estrelada, em que desapareceste, eu estava sentada numa esplanada como esta à tua espera. Aí voltei todas as noites durante seis meses e três dias com esperança de te ver aparecer ao longe, com o teu maravilhoso sorriso fácil e o teu casaco verde-musgo que eu tanto detestava… Mas depois deixei de o fazer. Não penses que desisti… Eu nunca desisti de ti, apenas te passei a procurar de maneira diferente.
Ainda hoje te procuro. Procuro-te em cada sorriso com que me cruzo na rua, procuro-te em cada lábios que beijo, procuro-te em cada homem que me possui e invento-te de novo todas as manhãs quando acordo e fujo tal como tu fugiste de mim…
Mas a verdade é que não sei porque partiste.
Durante muito tempo culpei-me a mim mesma pela minha própria infelicidade e odiei-me por não te conseguir esquecer… Talvez tenha sido pela maneira como eu pronunciei aquele “Amo-te” a olhar-te nos olhos quando estávamos os dois parados no semáforo… Talvez tenha sido a intensidade do meu sentimento que te levou a fugir… Sempre foste cobarde. E eu sempre amei cada traço de cobardia teu… Tal como amo os teus sorrisos que me fazem tremer e a maneira como me fazias renascer a cada beijo.
Quando partiste o teu cheiro ficou no quarto… Passado um ano vendi aquela casa e parti para nunca mais voltar. Fui numa viagem à suposta procura de mim, quando na verdade sempre foste tu quem preencheu os meus dias e a minha busca… Tu e a esperança de te ver surgir atrás de mim e de que me pusesses as mãos nos olhos e perguntasses docemente “Quem é?”.
Amo-te. Sempre te amei e sempre te irei amar… Mas guardei esse amor como alguém guarda o seu mais precioso tesouro num cofre bem protegido para não se lembrar de que o tem… Quando finalmente me convenci de que já não virias e parti naquela viagem, acabei de certa forma por te reencontrar no abraço de outros homens, enquanto desejava que me soubessem beijar como tu… Acabei por casar. Foi um erro. Sempre houve o teu fantasma a pairar entre mim e ele. Hoje estou separada e tenho uma filha. Gostava que a conhecesses… Ela já te conhece bastante bem de me ouvir falar de ti. Talvez consigas vislumbrar nela a mulher que um dia amaste, porque não o voltarás a ver em mim… A mulher cujo sorriso se abria sempre em sintonia com o teu, como se algum cordão puxasse os seus lábios irresistivelmente já não existe mais aqui. Morreu quando partiste e renasceu novamente cada manhã ao acordar nos braços de outrem… Ficou o amor, morreu a mulher. Em mim sempre viveste e sempre viverás e o teu amor será para mim como uma chama que me iluminará o caminho e me fará querer ser melhor, querer ser maior, “única” como costumavas dizer, porque restará sempre a esperança de que um dia no meio da rua apareças por detrás e perguntes “Quem é?”…
Toda a minha vida começou em ti… Eu sempre vivi de ti… Mesmo quando me deixaste a morrer sozinha no nosso quarto e desapareceste sem um beijo, sem uma palavra, sem uma última carícia, como um anjo vingador, que completa a sua missão parte nas sombras para nunca mais voltar… Depois de partires reaprendi a viver… Encontrei a força que me tinhas sugado numa sombra dentro de mim e cosi-a de novo ao meu ser. Ponto por ponto fiz a base da minha vida com o meu amor por ti e a força que vive em mim desde que me deixaste morrer…
Recuso-me a desistir agora… Não irei morrer de ti.
Texto escrito a meias com o Gonçalo... Ficou BRUTAL mais uma vez...